terça-feira, 9 de novembro de 2010

AS MELHORES COISAS DO MUNDO – Adolescência, quem explica?

Opa, quero até ver qual vai ser a desculpa dos “anti-cinema nacional” dessa vez. É que o discurso desse povinho é sempre o mesmo, que o nosso cinema só se foca na miséria do país, e isso mancha a imagem do Brasil lá fora, né? Parece piada, eu sei. Mas vou tentar ver por outro ângulo. Digamos que, ok, seria bom se o nosso cinema tivesse mais variedade. O meu problema com aqueles que reclamam de como filme nacional só mostra “pobre na favela” é que, em quase 100% dos casos, esse é o mesmo público burguês que ama Se Eu Fosse Você de paixão. Sim, porque apresentar a realidade do país é péssimo, mas inventar uma classe média alienada que nem existe (a classe média americana pode até viver em mansões; a nossa, não) não é demais? Ou, sei lá, ainda no quesito Se Eu Fosse Você, não é meio revoltante um filme que tenha como uma das últimas frases: “quem diz que felicidade não se compra é porque não conhece o endereço da loja”?

Enfim, com o mais novo filme nacional a chegar em dvd, não há brechas pra esse tipo de discussão. Em As Melhores Coisas do Mundo a diretora Laís Bodanzky (do ótimo Bicho de Sete Cabeças) retrata com extremo cuidado e inteligência a vida de adolescentes brasileiros. Que, cá pra nós, poderiam ser adolescentes e qualquer nacionalidade. É um filme de tema universal. O protagonista é Mano, um garoto de 15 anos normal de classe média alta de verdade, não uma de mentirinha. Acompanharemos vários dos problemas típicos dessa idade de transição: a descoberta da sexualidade, bullying, insegurança, problemas familiares, etc. É legal que, primeiro, os atores (todos ótimos e muito bem dirigidos) conversam entre si de forma absolutamente natural, do jeito que adolescentes brasileiros realmente conversam. Sem caricaturas, o que é comum quando um adulto vai retratar o linguajar de um jovem, né? Deu pra ver que a diretora teve um trabalho de pesquisa bastante grande e cuidadoso, e os personagens realmente falam língua do jovem brasileiro. Com alguns vícios? Sim. Mas sem forçar a barra.

E há vários temas atuais, que estão em destaque agora, presentes no filme. Quer dizer, eu fui o único que pensou no caso Geisy-Uniban com aquela tramóia da menina que é perseguida após uma foto sua semi-nua cair na rede? Pode ser que o roteirista não tenha ligado uma coisa à outra, ou pode ser que isso tenha sido escrito/rodado antes mesmo do escândalo (o filme já tava em pré-produção há três anos), mas que caiu como uma luva, ah, caiu. Sem falar na febre da internet, twitter, blogs, orkut, o diabo à quatro. Pra muita gente a internet é apenas um item a mais, uma ferramenta útil, mas pra minha geração a internet é tudo. Quer dizer, nós nascemos com a internet! Eu ainda nem tanto. Posso garantir que eu tive uma infância feliz sendo criança. Eu cresci encenando peças de teatro pros meus pais verem, cresci com a Disney, essas coisas. Mas é chato ver como isso vem diminuindo a cada dia que passa, como a infância está encurtando. E pensar que hoje namorar com 10 anos é comum. Enfim, perdi o foco. A discussão que o filme traz é mais sobre a questão das fofocas, de como a informação corre cada vez mais rápido, sobre como a palavra “segredo” vem sumindo do nosso vocabulário. Mas acho legal que o filme também mostre as exceções. Tem uma garota que mantêm um diário! Quem aqui conhece alguém que mantêm um diário, e que, ao mesmo tempo, esteja em sua sã consciência mental?! Hoje em dia, você quer escrever alguma coisa pessoal, íntima e tal, você posta no twitter, ué.

O protagonista ta longe de ser um santo, o que já coloca As Melhores Coisas do Mundo anos luz de vários filmes sobre o tema. Apesar de ter várias qualidades, Mano também ta cheio de preconceitos. Ao mesmo tempo que ele defende com unhas e dentes o seu interesse romântico que teve a vida invadida por uma foto que caiu em lugares errados, Mano faz caricaturas de sua colega de sala com legendas como “sapata!”. E pra quem já passou pela adolescência sabe que a pior ofensa que existe, pior do que xingar a mãe, é fazer qualquer tipo de alusão à sexualidade. Eu nunca entendi direito o motivo, mas felizmente já passei dessa fase, ou, pelo menos, já peneirei minha lista de amizades. Eu e meus amiguinhos discutimos muita coisa interessante, de política à feminismo à anti-americanismo à aborto à casamento homossexual, etc, mas to sabendo que somos exceções. Boa parte da adolescência ainda ta cheia de preconceitos, que, sinceramente, eu ligo à infantilidade. Muito interessante a história do pai do Mano que se separou da mulher (e que bela interpretação de Denise Fraga) pra morar junto com um colega de trabalho, e mais interessante ainda a repercussão que isso tem (não vou contar). Uma das coisas mais sensatas do filme, aliás, é dita pelo novo namorado do pai. Ele o alerta sobre seu filho que escreve coisas depressivas demais num blog, e que isso é perigoso. Isso de se isolar do mundo, ficar completamente sozinho com seus pensamentos. O pai ignora, dizendo que um psicólogo já foi contratado. E daí surge outra questão: essa mania dos pais de terceirizar os problemas do filho, sendo que o fruto desse problema, muitas vezes, está justamente nisso.
Mas o filme não fala apenas de adolescentes. Fala também sobre adultos, e sua impossibilidade aparentemente crônica de lidar com os adolescentes. Gosto da cena em que vários pais se reúnem no colégio e discutem sobre a fase em que seus filhos estão passando, tentando encaixá-la em uma classificação definida. Quer dizer, é mania resumir a adolescência em frases de efeito, né? Mas tudo na vida é tão complexo e gigante, que, sinceramente, nada pode ser estudado e entendido por completo. E não dá pra encaixar todo menino e menina de 15 à 17 anos a um mesmo grupo de características definidas. O filme mostra isso. Mostra que adolescentes tem sim seus vícios em comum, mas, ao mesmo tempo, um é completamente diferente do outro. Além disso, de quebra, surge uma outra discussão interessante: quando um professor(a) e um aluno(a) tem um caso, quem seria o “culpado”? O professor, que se aproveitou de seu posto de superioridade e de sua maturidade pra conquistar o aluno? Ou, em tempos de maior liberdade entre adolescentes, o professoracaba sendo a vítima? Ou talvez não haja culpa, não sei. Só sei que a cena dos ovos é linda, muito emocionante. E tudo embalado por “Something”, dos Beatles, que parece que foi um parto pra produção conseguir os direitos. Enfim, ri e chorei nas varias vezes que assisti As Melhores Coisas do Mundo, me envolvi mesmo. Se eu fosse você não perdia. Só não vale ir conferir com a desculpa de que é filme nacional, então vou cumprir minha parte, vou fazer a boa ação do dia. O cinema brasileiro já passou da hora de precisar da pena de alguém. Agora, se for pra assistir “As Melhores Coisas” com a desculpa de fugir do lixão americano que é jogado aos montes por aqui, aí tudo bem. Essa desculpa é mais do que aceitável.