sábado, 5 de março de 2011



Pleasantville (A vida em preto e branco, 1998) é desses filmes que têm um apelo fofuresco, capaz de divertir os mais distraídos, mas que trazem uma reflexão mais apurada, capaz de instigar os mais exigentes.

A imaginária Pleasantville é um seriado de TV da década de 50, embebido nos valores morais e anti-sépticos do sonho americano da época, com suas casas ajardinadas e famílias perfeitas. O antigo seriado é uma das paixões de David (Tobey Maguire), que vê em Pleasantville um mundo sem os conflitos e agressões, típicos da vida partilhanda com a irmã Jennifer (Reese Witherspoon), numa típica família desmembrada da década de 90.

Uma noite, um misterioso técnico de televisão (Don Knotts) percebe o imenso conhecimento de David sobre Pleasantville e oferece aos garotos um controle remoto especial. Ao apertar um botão, David e Jennifer são sugados para dentro da TV, transformados nos filhos em preto-e-branco de George (William H. Macy) e Betty Parker (Joan Allen), a família perfeita do seriado: Bud e Mary Sue.

No mundo "perfeitinho" e preto e branco de Pleasantville, não existe arte, sexo, incertezas, ou chuva. Papai sabe tudo, mamãe empaturra a família de panquecas no café da manhã, o time de basquete nunca perde, e a vida segue um curso inócuo e previsível. Esse é o cenário do primeiro filme do roteirista de Quero Ser Grande, Gary Ross: uma fábula sobre a utopia e a afirmação da individualidade. O filme foi indicado para o Oscar de trilha sonora, figurino e direção de arte.

Enquanto "Bud" tenta convencer a irmã de que eles devem viver de acordo com as regras imutáveis do seriado para não abalar o mundo equilibrado dos personagens, a voluntariosa Jennifer logo coloca sua insatifação a serviço de uma saudável anarquia. Depois de despertar a libido do capitão do time de basquete, a ordem em Pleasantville nunca mais será a mesma. Com a descoberta de prazeres e possibilidades insuspeitadas em seu universo estático, a cidadezinha começa a se tingir com cores vivas, contrastando com a mesmice monocromática e com os defensores da antiga Pleasantville, ressentidos com a destruição de seu acalentadostatus quo.

Os sentimentos edulcorados dão lugar à raiva, paixão, ciúme e insatisfação, que acabam colorindo a cidade com os tons da vida como ela é, em efeitos visuais impressionantes, desenvolvidos especialmente para o filme.

As melhores cenas são protagonizadas por Joan Allen, a reprimida dona-de-casa que descobre tardiamente os prazeres do sexo e se apaixona por Mr. Johnson (Jeff Daniels, o mesmo ator que sai da tela em preto-e-branco de um filme para a vida de Mia Farrow, no maravilhoso A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen). Dono da lanchonete onde Bud trabalha, Mr. Johnson percebe sua paixão pela arte e pinta, com todas as cores proibidas pelas autoridades locais, um mural vívido dos sonhos que o conformismo deixou para trás.

Pleasantville aborda os perigos de uma sociedade que repudia a diferença e valoriza a ignorância. Desta forma, o filme faz severa crítica aos “pequenos sentimentos” como a mediocridade, a mesquinhez e a alienação que permeiam o dia-a-dia. E deixa-nos algumas questões a respeito da felicidade humana. O que está em risco quando nos escondermos atrás de nosso conformismo e acomodação? O que nos impede de vivermos novas emoções a cada dia e sairmos do habitual? Uma coisa é certa: diante da realidade contemporânea, existe muito mais do que preto e branco. Sendo assim, o colorido que damos às nossas vidas é que determina o caminho para a felicidade e nosso bem-estar social. Mas, para que isso aconteça, é necessário que cada um de nós faça bem sua tarefa diária de imersão neste intenso universo de emoções. Nesse sentido, Pleasantville é uma ode ao hedonismo, à diferença e, sobretudo, à coragem.